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Giselle Guimarães Gomes

Considerações sobre o PL 2.056/2022 que altera a legislação de Propriedade Industrial – Parte 1

Mês passado, foi protocolado na Câmera dos Deputados o Projeto de lei n° 2.056, que visa alterar tanto a lei que criou o INPI, a lei n°5.648/70, quanto a lei que trata dos direitos de propriedade industrial, a Lei n° 9.279/96, conhecida como LPI. O autor da lei é o Deputado Alexys Fonteyne, do Partido NOVO/SP, que é vice-presidente da Frente Parlamentar da Bioeconomia. Quem trabalha na área de patentes e biotecnologia deve acompanhar o trabalho dessa frente que é presidida pelo Paulo Ganime (NOVO/RJ), de quem sou 1° suplente. Apesar de sermos pertencentes ao mesmo partido, eu e o Alexys não nos conhecemos, eu somente fiquei sabendo do PL ontem. Uma pena! Eu poderia ter feito algumas contribuições a partir do ponto de vista de um examinador de patentes.


Sempre que há alguma alteração na lei de patentes eu penso que os nós do exame técnico, com os quais eu preciso lidar todos os dias, poderiam ser desatados se fossem debatidos diretamente no Congresso em vez do vai e volta entre o poder Executivo e o Judiciário... Veja o caso da proibição do patenteamento de plantas transgênicas. Atualmente, o exame desses pedidos está sobrestado porque não se fechou uma conclusão a respeito da Nota Técnica INPI CPAPD n° 01. Eu participei do grupo que debateu essa nota, mas como não fui eleita e nem indicada por quem foi, rs, eu só tenho voz, mas nenhum poder de decisão. Nem para demandar ser ouvida, rsrsrsrs Fato é que hoje no Brasil as plantas transgênicas são, sim, protegidas por patentes, só não o são direta e explicitamente. Tem até um acórdão do STJ tratando disso. Na prática, exige-se a exclusão das reivindicações de plantas per se, mas o pedido não é extinto e todas as demais reivindicações acessórias permanecem: processos, construções de DNA, vetores, etc, servindo de base para a cobrança de royalties. Sim, quem usa semente transgênicas, hoje, paga royalties para os detentores de tecnologia. Eu, como defensora do sistema de patentes, não vejo nada de errado nisso, o que me incomoda, e muito!, é que a redação atual da LPI torna o exame de patentes com essa tecnologia muito mais trabalhoso. Aí, quando comparam o nosso tempo de exame com o tempo de exame da Europa e com os Estados Unidos, dá vontade de perguntar: tem artigo 18 lá? Lógico que não, né! Lá, a lei não tem jabuticabas, nem abacaxis.


O artigo 18, hoje, só serve para tornar o exame dos pedidos de patente mais burocrático. Tivesse eu sido eleita - e quem não concorda, agradeça que eu não fui e nem pretendo mais me candidatar, rs - eu teria proposto um PL que incluísse também alteração do artigo 18 para permitir, logo, o patenteamento de plantas transgênicas e parar com a hipocrisia e ambiguidades atuais que só dão dinheiro para os advogados que ficam anos brigando na justiça. O artigo 18 é tão ruim que houve uma vez em que eu concedi patente para um cogumelo transgênico porque o "douto perito" que escreveu a atual LPI esqueceu completamente dos fungos, o que acabou igualando os cogumelos a microrganismos. À bem da verdade, eu cheguei até a escrever uma sugestão de nova redação que pode ser lida aqui:


Um outro ponto que também atravanca muito o andamento de um pedido de patente é o atual artigo 26 que trata da divisão do pedido e que tem rendido um considerável número de ações judiciais em razão da multiplicação de pedidos. O PL 2.056/22 propõe alterar esse artigo, mas justamente esse ponto da multiplicação dos divididos não foi abordado. O PL até propõe algumas modificações interessantes, notadamente na limitação temporal da divisão, mas mantém a possibilidade de multiplicação dos pedidos. A atual redação da LPI já prevê a possibilidade de divisão dos pedidos até o fim do exame, mas, veja só!, nunca definiu o que deveria ser entendido por fim do exame. Acabou que a norma infra legal determinou que o fim do exame é o fim da primeira instância, mesmo o exame prosseguindo segunda instância adentro. Nunca vi sentido nessa definição. Às vezes, a discussão no recurso é justamente a falta de unidade de invenção, que se resolveria facilmente pela divisão do pedido, mas não se pode propor isso porque, oops!, ele não pode dividir em segunda instância! O PL fez bem em definir como fim do exame o esgotamento da via administrativa após a decisão final do recurso. Ou isso, ou altera-se o 212 que confere efeitos devolutivo e suspensivos plenos aos recursos da LPI.


Contudo, o PL poderia ter abordado também a questão da multiplicação dos divididos, não é mesmo? Perdeu-se uma oportunidade! Apesar da redação atual do artigo 26 já falar em "requerimento de divisão", o INPI nunca implementou tal requerimento. Não me pergunte o porquê que eu não sei, sou apenas peão e trabalho no chão da fábrica, já desisti de tentar extrair alguma lógica dos procedimentos. Só sei que, hoje, quando o requerente quer dividir um pedido, ele deve depositar um pedido novo (oie?). É isso mesmo: ele protocola um pedido novo e no corpo do pedido informa que é dividido. Apesar do artigo 27 determinar que o pedido dividido tem a mesma data de depósito do pedido original, na prática não tem. Basta pegar qualquer pedido dividido que você vai ver, já estampado na folha de rosto, uma data de depósito fictícia. Essa data - que é a data do protocolo do pedido dividido - não pode ser usada para aferição da novidade e da atividade inventiva porque senão nenhum pedido dividido seria novo perante o original, não é mesmo? Você deve estar se perguntando, então, por que ela existe? Eu também me pergunto por que o INPI nunca instituiu o requerimento de divisão. Venho falando sobre esse requerimento desde, ao menos, meados de 2016, mas sendo totalmente ignorada por quem tem poder de fazer algo. Será que ainda dá tempo de incluir no PL esta modificação? Segue sugestão:


Art. 26. O pedido de patente poderá ser dividido em dois ou mais, de ofício ou mediante petição de requerimento do depositante junto ao pedido original, desde que o pedido dividido:


Facilitaria tanto o exame. Hoje, um pedido pode se transformar, do nada, em seis! Sem que se trate efetivamente de divisão. Não raro, os pedidos são apenas duplicados, triplicados, quadruplicados e, como não há requerimento de divisão, mas um depósito de um "novo pedido", isso só vai ser verificado quando esse "novo pedido que não é novo" vai ser examinado. É nesse momento que se descobre que não houve divisão e que a divisão não pode ser aceita. Só que ela já foi! O novo pedido já foi protocolado, já contabilizou no backlog, já entrou na fila de exame... Sim, o backlog multiplica!


A entrada de pedidos divididos é publicada sob o código de despacho 2.4, mas não há nenhum tipo de exame técnico nessa etapa. Não se verifica nem se eles atendem aos requisitos do artigo 26. Houve uma época em que sugeriram isso, mas disseram que isso não iria contabilizar na produtividade do examinador porque não era para examinar. Alguém explica como se verifica se houve adição de matéria ao pedido original sem que se leia e se compreenda o pedido original? Essa é a parte mais demorada do exame: leitura e compreensão! Não vingou, né?


Enfim, perdeu-se uma boa oportunidade de ajustar esse gargalo e desatar esse nó, fazendo com que o requerimento de divisão seja examinado no âmbito do exame do pedido original. Uma vez aceita a divisão, o próprio INPI divide o pedido. Note que o artigo 26 não dispõe que o pedido de patente pode ser dividido pelo depositante, mas a requerimento do depositante. Em outras palavras, quem detém o poder de dividir pedido é o INPI. Mas, hoje quem divide - ou só multiplica - é o depositante.


O PL também sugere modificação do artigo 32. É, sem a menor sombra de dúvida, o artigo mais polêmico da LPI e que merece mesmo uma atenção especial. Eu já tratei desse artigo em um post aqui do blog. Nele, eu propus cinco diferentes redações técnicas para o artigo 32, sem fazer juízo de valor sobre qual a melhor opção política. A redação ora proposta segue a redação A, mais extrema. No entanto, não incluiu o esclarecimento sobre emendas voluntárias ou mediante exigência técnica que eu tinha sugerido e que é um dos pontos mais debatidos em ações judiciais. Ou seja, ficou confusa.


Eu recebi muitas críticas por não ter me posicionado politicamente sobre qual redação eu apoiaria na época em que escrevi esse post do artigo 32. Depois de refletir, concordei com a crítica, de modo que vou me posicionar agora: das cinco propostas listadas no post sobre o artigo 32, eu votaria - se eu tivesse poder de voto - na proposta C, a ponderada 1, essa aqui:


Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações VOLUNTÁRIAS até o requerimento do exame, E APÓS O REQUERIMENTO DE EXAME, MEDIANTE EXIGÊNCIA TÉCNICA, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido.


Essa redação permite alterações voluntárias e amplas até o requerimento do exame, mas após o requerimento do exame, somente mediante exigência técnica. Eu entendo de onde partiu a redação do PL ora proposto, de um viés pró-empresário, mas não tenho como concordar com ela. Como liberal que sou, defendo o livre mercado como regra e o monopólio, como exceção. As patentes são uma dessas exceções ao livre mercado que servem para estimular a inovação, mas isso não pode gerar abuso. Eu me lembro quando o artigo 32 era interpretado da maneira mais ampla em que as modificações eram feitas tantas vezes que tínhamos que examinar um mesmo pedido seis, sete vezes. Quando a gente achava que iria concluir; no exame seguinte, o quadro vinha totalmente modificado de novo e a gente tinha que começar tudo outra vez. Não culpo os advogados, a lei dava essa brecha. E vai voltar a dar.


A redação do PL é ainda pior que a anterior porque estende o fim do exame para até a decisão final do recurso. Em outras palavras, os terceiros, a concorrência vai ficar sem saber o que pode ou não explorar no entorno do pedido até à decisão administrativa final. Eu desconheço outro escritório de patentes no mundo que permita isso, assim de maneira tão ampla.


Bom, ainda tem muitos pontos interessantes a se explorar no PL, muitos bons, uns poucos, nem tanto. Algumas omissões que poderiam ter sido abordadas, como patentes de seleção e novo uso médico, também conhecido como reposicionamento de fármacos). Mas, este post já está bem longo, então vou parar por aqui. Depois prossigo com uma parte 2.


Me conta aqui nos comentários: concorda com os pontos que eu levantei até agora? Se pensa diferente, conta também o porquê, que eu adoro um bom debate. Em tempos de lacração, debater de verdade virou raridade, mas só aprimoramos nosso pensamento debatendo. Fico chocada dos grupos estratégicos de PI não incluírem examinadores de marcas e patentes, daqueles com experiência de mão na massa que eu gosto de chamar de horas de exame. Ninguém melhor que o examinador para conhecer os gargalos dos processos que levam ao backlog e esse ponto de vista é, não raro, ignorado.





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