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Giselle Guimarães Gomes

Qual seria o prazo razoável para a concessão de uma patente?

Para serem concedidos, os pedidos de patente devem atender ao disposto na Lei n° 9.784/999.279/96, conhecida como LPI. Essa lei dispõe não apenas sobre a matéria da propriedade industrial, como também sobre o processo de concessão, com discriminação de todas as suas etapas bem como prazos, prazos esses que são bem mais extensos e generosos que os prazos para os demais processos administrativos previstos na Lei n° 9.784/99. Como a lei específica tem preferência sobre a lei geral, são os prazos da LPI os que precisam ser respeitados. Então, vejamos:


O pedido uma vez depositado (código de despacho 2.1) precisa ficar em sigilo por 18 meses e só então, o seu conteúdo é publicado (Art. 30 da LPI - código de despacho 3.1). O primeiro parágrafo desse artigo prevê que a publicação pode ser antecipada pelo depositante (código de despacho 3.2). Seria interessante saber se isso ocorre de fato e com qual frequência porque, no meu entender, esse sigilo é um bônus para os inventores, um nariz à frente se estivéssemos em uma corrida de cavalos. Isso porque nesse período os seus concorrentes não têm como ter acesso à sua tecnologia já que o pedido onde ela está descrita está em sigilo. Somente após publicado, esses concorrentes, que a lei chama de terceiros interessados, passam a ter acesso ao conteúdo do pedido. Então, de pronto, já temos 18 meses (a não ser que a publicação tenha sido antecipada pelo depositante).


Para proteger esses terceiros, a LPI diz no parágrafo único do artigo 31, que o exame não poderá ser iniciado antes de decorridos 60 dias dessa publicação. Esse prazo é para salvaguardar o direito do terceiro de entrar com os subsídios técnicos previstos no caput desse mesmo artigo, como uso anterior, por exemplo. Não pergunte o código de despacho dos subsídios, pois não há. Eles não são publicados e o depositante só fica sabendo deles durante o exame técnico. Por enquanto, então, temos, somando, cerca de 20 meses (18 meses + 60 dias).


Para que o pedido seja examinado, esse exame precisa ser solicitado. É, solicitado. A LPI prevê dois sujeitos legitimados a pedirem esse exame: o próprio depositante, ou o terceiro interessado. Se o exame não for requerido, o pedido é arquivado. Por isso, sempre defendi que a contagem de tempo se iniciasse nesse ponto: para remover a variável de tempo do pedido de exame. Isso porque o prazo para esse pedido é de até 36 meses. Ou seja, três anos contados da data do depósito.


O artigo 33 da LPI prevê que o depositante ou terceiro interessado pode requerer o exame antes desses 36 meses. Aqui, assim como no caso da publicação antecipada, seria interessante saber se isso ocorre de fato e com qual frequência. Isso porque o artigo anterior, o 32, prevê uma data limite para alterações no pedido. Assim, o depositante não tem, via de regra, interesse em antecipar esse exame.


Em outras palavras, o pedido não pode ser examinado em menos de três anos. A menos que o depositante ou o terceiro interessado assim o desejem. Ou a lei mude. A lei sempre pode mudar.


O interessante aqui é chamar a atenção para um ponto: o tempo de concessão não é uma variável que depende somente do governo, mas uma resultante da combinação de três vetores de interesses: inventor (depositante), concorrente (terceiro interessado) e sociedade (governo). Logo, seria leviano qualquer uma dessas partes se comprometer com um prazo que não depende só de si.


Ainda que o pedido de exame seja feito logo depois do depósito; ainda que o depositante solicite publicação antecipada, o pedido ainda precisará ser examinado. Ainda que se presuma que o pedido atenda às condições previstas em lei e contenha uma invenção nova, inventiva, aplicável em alguma indústria e patenteável, isso precisa ser verificado por meio de dois exames: um exame formal, previsto no artigo 20 e um exame técnico, previsto no artigo 35, sem contar as possíveis solicitações perante o artigo 34, como a exigência de declaração de acesso ao patrimônio genético ou o encaminhamento à ANVISA para anuência prévia. Se o pedido estiver totalmente ok, perfeito e sem falhas, pode ser deferido de pronto. Aqui, mais uma vez, seria interessante saber o quantitativo de pedidos que são deferidos de pronto. Com base na minha amostra pessoal totalmente enviesada, eu chutaria menos de 10%, talvez até menos de 1%. Mas, é possível que varie bastante por tecnologia.


Em tecnologias mais complexas como a farmácia, a biotecnologia, as telecomunicações, a regra não é o deferimento em primeiro exame. Nessas áreas, o mais comum é ter no mínimo um exame intermediário contendo exigências técnicas antes do deferimento. Nesse caso, o prazo para o cumprimento de cada exigência é de 90 dias. Caso o exame conclua pelo indeferimento, o prazo para o depositante se manifestar perante à ciência, também é de 90 dias. Como se vê, muitos prazos que cabem ao depositante. Aqui, mais relevante ainda que nos demais casos, seria monitorar o papel que o depositante tem em alongar ou acelerar o tempo de exame. Daria uma boa tese de doutorado… Quando o parágrafo único do artigo 40 estava em vigor, era bem comum a utilização máxima desse prazos. Seria interessante saber se esse comportamento mudou. Outra boa pesquisa seria a correlação dos programas de aceleração com o peso econômico da inovação: Será que os pedidos que contêm invenções disruptivas pedem exame prioritário? Mas, digresso, voltemos.


Para finalizar, segue um último prazo porque não obstante a conclusão do exame, deferido não é sinônimo de concedido. Para a concessão, há, ainda, um prazo para o depositante pagar a retribuição que é de 60 dias. Continuando a nossa soma: estávamos em 36 meses, mais um tempo para os exames e contraditório que pode variar de alguns dias a alguns meses, mais os 60 dias da concessão e voilà: 4 anos é um bom prazo para se prometer. Na linha de uma boa meta: nem alta demais que assusta e nem baixa demais que desestimula, rsrs.


Para não ser leviana, a via do depósito nacional não é a única; há a via do PCT em que o pedido tem até 30 meses a partir do depósito internacional para entrar no país. Esses pedidos são notificados sob o código 1.3, mas a partir daí seguem os prazos normais previstos na LPI, inclusive os mesmos 36 meses para o pedido de exame (contados do depósito internacional). Será que os dois anos que vira e mexe prometem por aí é contado a partir dessa entrada na fase nacional? Não podemos confundir data do depósito com data de entrada na fase nacional... ou será que falam da data do pedido de exame? Confundir o receptor da mensagem propositadamente é artimanha de quem não tem boas intenções. Gaslighting alguém?


É fácil confundir em um processo complexo como é o pedido de patentes. Me lembro que há muitos anos atrás, havia um estoque de pedidos cujo pedido de exame não havia sido requerido e que, por consequência, deveriam ser arquivados. Esse arquivamento em massa distorceu a estatística de tempo de exame de maneira gritante indicando um tempo de 5,4 anos. A matemática estava perfeita e quem entende do processo compreendeu que foi fruto de mero arquivamento, não de exame técnico. Contudo, o leigo encheu os olhos com o tempo de 5,4 anos e dá-lhe propaganda de que o tempo tinha diminuído devido à muita eficiência. Se o serviço de exame fosse uma relação de consumo seria propaganda enganosa das brabas induzindo o leigo ao erro.


Percebo a mesma desinformação quando leio sobre esses pedidos de concessão de patentes em 2 anos como a deste artigo. Ou não entendem o processo ou estão exigindo do Governo algo que não cabe somente ao Governo, mas também ao depositante, ao terceiro ou mesmo ao Congresso. Essas promessas sempre têm a vantagem de no futuro poderem ser refletidas como “não foi bem isso o que eu disse”, ou ''não foi culpa minha", essa última me lembra o brilhantismo de Garrincha que, sem saber nada da matemática por trás da teoria dos jogos, alertou ao técnico na copa de 70: "Seu Feola, o senhor já combinou com os russos?", rsrs



A frase que mais vem à minha cabeça quando eu vejo tais pedidos de dois anos é esta do Thomas Sowell: “Quando as pessoas querem o impossível, somente os

mentirosos podem satisfazê-las.” Serve de alerta para nós mesmos ao formularmos nossos pedidos porque sempre tem alguém que vai prometer te entregar exatamente aquilo que você está pedindo, ainda que impossível.


Um prazo bastante razoável e nada mentiroso de se prometer é 4 anos. Menos que isso, é jogo de estatística, de retórica ou ambos! Porque sem combinar com os demais stakeholders, não há mágica que faça com que a concessão saia em menos de 40-48 meses, não com a legislação atual. A não ser que se altere a data de início da contagem, mas aí já estamos falando em contabilidade criativa…


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