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Giselle Guimarães Gomes

Depósito de Pedido de Patente Dividido

Um dos vilões frequentemente culpados pela demora no exame das patentes é o famigerado pedido dividido. Fica no ar uma pergunta, é verdade isso? Será que a divisão de pedidos realmente atrapalha o exame?


Pois bem.


Um pedido de patente pode reivindicar uma única invenção ou mais comumente várias invenções unidas por um conceito inventivo. Por exemplo:


  • um processo para a fabricação de um produto (invenção principal),

  • o produto fabricado pelo dito processo (invenção acessória 1),

  • composição compreendendo o dito produto (invenção acessória 1.1), e

  • uso da dita composição, por exemplo, como detergente (invenção acessória 1.3).


Pode acontecer que esse conjunto esteja tão grande que haja a necessidade de sua divisão. É o caso, por exemplo, de que um único processo fabrique mais de um produto:


  • um processo para a fabricação de produtos (invenção principal),


  • um dos produtos fabricados pelo dito processo (invenção acessória 1),

  • composição compreendendo esse primeiro produto (invenção acessória 1.1),

  • uso dessa composição, por exemplo, como detergente (invenção acessória 1.2).


  • um outro produto fabricado por esse mesmo processo (invenção acessória 2),

  • composição compreendendo esse segundo produto (invenção acessória 2.1),

  • uso dessa segunda composição, por exemplo, como detergente (invenção acessória 2.2),


  • composição compreendendo o primeiro produto E o segundo produto (invenção acessória 3),

  • uso dessa terceira composição, por exemplo, como detergente (invenção acessória 3.1).


  • (...)

Note que são infinitas as possibilidades, assim como as formas de redação. Razões para a divisão vão desde complexidades técnicas, dificuldade prática de exame até a razões comerciais de venda. O inventor pode ter interesse de negociar só uma parte da patente dele, por exemplo. Pode ser ainda que o conceito que une todas essas invenções já tenha sido antecipado pelo estado da técnica também. Mas, a razão não importa; o que importa mesmo é a necessidade de divisão e a possibilidade de divisão que é prevista legalmente.


A lei n° 9.279/96, a LPI, permite que um pedido de patente seja dividido ao longo do exame, sendo bem explícita nesse sentido:


Art. 26. O pedido de patente poderá ser dividido em dois ou mais, de ofício ou a requerimento do depositante, até o final do exame, desde que o pedido dividido:

I - faça referência específica ao pedido original; e


II - não exceda à matéria revelada constante do pedido original.


Parágrafo único. O requerimento de divisão em desacordo com o disposto neste artigo será arquivado.


Logo, não resta dúvida sobre a possibilidade da divisão. Agora, acompanhe comigo como isso é feito na prática:


Um pedido é depositado, recebe numeração, passa pelo exame formal e entra na fila de publicação para ser publicado quando passar o período de sigilo obrigatório de 18 meses. O pedido é, então, examinado tecnicamente. Aproveitando o exemplo acima, o examinador realiza busca de anterioridades e encontra um produto muito parecido com o primeiro produto (invenção acessória 1), mas produzido por um processo diferente, o que o leva a concluir que esse pedaço da invenção não possui atividade inventiva. O que fazer, então?


Dentre as várias estratégias processuais possíveis está a divisão do pedido. Colocar em um pedido separado o segundo produto (invenção acessória 2) porque sobre ele não paira mais dúvida. A composição mista (invenção acessória 3) também pode ser apartada do pedido original, bem como o processo de fabricação (invenção principal) Assim, resta no pedido original somente a invenção sobre a qual ainda cabe contraditório.


Essa trilha processual faz todo o sentido lógico. O que não faz sentido lógico algum na minha opinião é a forma como essa divisão é feita hoje. Como? O leitor deve estar se perguntando: simplesmente, o depositante deposita um novo pedido. Anexa uma cópia de todos os documentos listados no artigo 19 que trata do depósito de pedidos novos e que já foram usados na composição do pedido original e cria, do zero, um pedido dividido como se fosse novo. Como esse pedido é tratado pelo sistema como novo, não há qualquer juízo de admissibilidade para esse depósito, apenas passa pelo exame formal do artigo 20, e voilà, temos uma multiplicação na fila do backlog!


O problema está na divisão? Não! O problema está na forma de se dividir: por meio do depósito de um novo pedido!


Para agravar ainda mais a situação, esses pedidos, apesar de tecnicamente novos, pelo fato de, na realidade, estarem vinculados aos seus pedidos originais, não são notificados sob o código de despacho 2.1 nem entram na fila de publicação para serem publicados quando passar o período de sigilo obrigatório de 18 meses como os pedidos novos de fato entram. Em vez disso, eles são notificados sob o código de despacho 2.4 e pulados para a mesma fase processual dos seus pedidos originais. Achou pouca confusão? Calma que tem mais!


Como eles são depositados a qualquer tempo antes de finalizado o exame, esses pedidos, na prática, acabam por possuírem duas datas de depósito! A primeira é a data de fato, aquela em que o conjunto de todos os documentos listados no artigo 19 é efetivamente protocolada no sistema. A segunda é a data legal prevista pelo artigo 27.


Art. 27. Os pedidos divididos terão a data de depósito do pedido original e o benefício de prioridade deste, se for o caso.


Essas duas datas de depósito criam toda a sorte de confusões! Quer ver uma?


Pedido original depositado em 2015. Em 2020, depositou-se um pedido dividido a partir dele. Vamos fazer a busca de anterioridade para aferição da novidade e da atividade inventiva. Pode usar a data de 2020? Não! Porque se usar vai encontrar o pedido original sobre o qual ele não terá novidade… Tem que usar a data de 2015 que é a data do pedido original, como diz o artigo 27. Mas, se tem que usar a primeira data, por que se permite que exista uma segunda data?


Acredite, eu me faço a mesma pergunta. Principalmente, por duas razões. Primeiro, que o depósito dos pedidos de patentes é tratado nos artigos 19 a 21 e nenhum deles aborda o depósito de pedidos divididos. A segunda é que o artigo 26 que trata da divisão em nenhum momento fala em depósito, vou até postar de novo.


Art. 26. O pedido de patente poderá ser dividido em dois ou mais, de ofício ou a requerimento do depositante, até o final do exame, desde que o pedido dividido:

I - faça referência específica ao pedido original; e


II - não exceda à matéria revelada constante do pedido original.


Parágrafo único. O requerimento de divisão em desacordo com o disposto neste artigo será arquivado.


Achou a palavra depósito em algum lugar nesse artigo? Não, né? Não tem! Então, por que cargas d´ água se permite esse depósito?


Não é que a divisão de pedidos seja um problema, não é!, o problema está em se permitir que essa divisão ocorra por meio de depósito!


O mais impactante desses problemas é que, de uma hora para outra, um backlog de 200.000 processos pode virar 400.000, 800.000? Como o depósito é à critério do depositante… e aceito sem qualquer juízo de valor… não se tem qualquer controle sobre o tamanho do backlog…


E como não há - e nem é possível haver - juízo de admissibilidade técnica para um mero depósito, acontece muito de haver simples replicação do quadro reivindicatório. Isso mesmo. Copy and Paste. Daria uma bom tema de pesquisa verificar quantos pedidos divididos são indeferidos por dupla proteção (Art. 6° da LPI), já que essa dupla proteção só é percebida quando o pedido chega na fase do exame técnico. E como é um pedido novo, com novo enquadramento, faz-se ciência, 90 dias… o leitor já entendeu o tamanho do problema.


Há muitos anos atrás, inventaram uma espécie de “juízo de admissibilidade” nos quais os pedidos divididos depositados deveriam passar por um exame antes da publicação do código 2.4 (notificação de depósito de pedido dividido). Só que esse exame, apesar de toda a sua complexidade técnica, não contaria na produção mensal do examinador… eu preciso dizer que não vingou?


O leitor deve estar se perguntando como resolver o imbróglio. Ora, aplicando exatamente o que dispõe a letra do artigo 26, em especial o seu parágrafo único:


Parágrafo único. O requerimento de divisão em desacordo com o disposto neste artigo será arquivado.


Requerimento de divisão. Isso mesmo. Uma petição de requerimento, ou pedido, de divisão a ser protocolada junto ao pedido original, requerendo a divisão e informando o quadro reivindicatório que permanecerá e o(s) quadro(s) que requer-se sejam apartados.


Por ocasião do exame do pedido original, esse requerimento a ele anexado passaria por um juízo de admissibilidade, notadamente:


  1. A matéria está de fato dividida (Art. 26, caput)?

  2. Faz referência ao pedido original no relatório descritivo (Art. 26, I)?

  3. Não excede a matéria revelada constante do pedido original (Art. 26, II)?


Onde eu estou querendo chegar?


No fato de que somente os requerimentos aprovados neste juízo de admissibilidade seriam convertidos em novos pedidos, havendo um controle interno sobre a profusão e evitando a replicação de quadros ou a multiplicação do backlog. Adicionalmente, esses novos pedidos não seriam depositados (de fora para dentro), mas criados (de dentro para dentro), deixando claro que se trata de uma bifurcação no pedido original (ou tri, tetra, pentafurcação…).


Você consegue explicar como se arquiva um requerimento de divisão se o pedido já foi diretamente depositado sem qualquer requerimento? Não, né?


Na prática, hoje, o parágrafo único do artigo 26 é letra morta, pois não há qualquer arquivamento… até porque não há nenhum requerimento! Esse parágrafo único é, simplesmente, ignorado. Se o leitor está lembrando do princípio basilar de hermenêutica jurídica de que a lei não contém palavras inúteis, bem vindo ao meu time. Chamo de time Cassandra. Sabe aquela profetiza de Tróia amaldiçoada pelo Deus Apolo para que ninguém a ouvisse? Me sinto como ela repetindo aos 4 ventos, ao menos desde os idos de 2016, de que não existe depósito de pedido dividido na lei!


Atualmente, o depositante pode, a qualquer tempo, antes de findo o exame, depositar um, ou até mesmo vários! novos pedidinhos, todos fazendo referência ao primeiro pedido que passa a ser chamado de pedido original. Percebeu que o problema não está na definição do fim do exame, mas no ato de depositar um dividido? Os canhões estão apontados para o alvo errado…


Note que mesmo o trecho da notificação 2.4 não aponta o artigo no qual se baseia. Não o faz porque não há! Inventaram um artigo 19-A ficto de depósito de pedido dividido, sendo que para esses não vale a data de depósito do artigo 20, mas a do artigo 27… a data do artigo 20 é só de mentirinha, finja que não está ali!



A metodologia do requerimento de divisão já prevista no artigo 26 tal como redigido hoje é interessante por pelo menos seis razões:


  1. Deixa claro a lógica de que um pedido dividido é uma bifurcação do pedido original, estando na mesma fase processual e incorporando todos os despachos e documentos anteriores;


  1. Não cria uma data de depósito ficta, já que a data de depósito do pedido dividido é a data do pedido original, conforme o artigo 27 de modo que não há “depósito de pedido dividido”;


  1. Não força a aplicação do artigo 32, que é um artigo processual e não finalístico, como fundamentação para o indeferimento de um pedido dividido porque esse pedido não existiria e o requerimento seria arquivado;


  1. Deixa com a autarquia o poder de aceitar ou não a divisão, evitando a multiplicação absurda de pedidos a qualquer tempo;


  1. Elimina o frequente enquadramento no artigo 6° por dupla proteção em pedidos divididos; e


  1. Garante que o pedido dividido será examinado pelo mesmo examinador do pedido original - na ausência de um examinador natural e de algum sistema de distribuição aleatória, ao menos isso, né? Lembrando que o pedido dividido precisa mencionar o original, mas não há a obrigatoriedade inversa e o exame do pedido original pode ocorrer sem que se tenha ciência acerca da existência de divididos. Aliás, eu sempre desconfiei se essas divisões que não dividem (só replicam o mesmo quadro) não ocorrem numa tentativa de caírem em outro examinador, mas digresso. Examinador natural dá um post por si mesmo!


O requerimento de divisão tem tantas vantagens em relação ao depósito de pedido dividido que eu me pergunto o porquê não é implantado. Quantas ações judiciais envolvendo a aplicação de artigo 32 em pedidos divididos não teriam sido evitadas, hein? Quantas taxas de anuidade pretéritas desses “depósitos”? Quantos exames por dupla proteção que são trabalhosos e requerem comparação entre quadros? O que me lembra uma piada que um tio meu, já falecido, costumava contar:


“Numa cidade dessas do interior, tinha um fazendeiro muito rico que sofria com uma ferida aberta na perna que nunca sarava. Por sorte, a vila próxima contava com um médico, um senhor já na meia idade, que sempre estava de prontidão para ir até à fazenda cuidar da ferida. Assim, toda vez que o fazendeiro se sentia incomodado, era só dar um telefonema que em poucos minutos já saía da crise. Isso já fazia anos... Ficaram amigos o fazendeiro e o médico. Até que um dia, quando o fazendeiro telefonou, o médico não estava. Mas, o seu filho, sim. Recém-formado em medicina na capital, estava de visita. Apiedado do fazendeiro, foi ele mesmo até à fazenda. Lá chegando, bastou um olho na perna e já identificou a causa do problema. Não deixou por menos e já prescreveu os medicamentos devidos. Passou um tempo e o fazendeiro não conseguia acreditar no que via, sua perna restituída, perfeita. Mandou comprar um bom presente e enviou para a casa do médico. Quando o médico pai recebeu o presente, mandou chamar o filho: “Como assim você curou a perna do fazendeiro? Tá maluco? Como você acha que eu paguei a sua faculdade de medicina?


Cui bono?


Se tivéssemos a publicação da fila de pedidos de patentes, como a do Sisreg (Sistema de Regulação do SUS), outro mecanismo no qual Cassandra está há anos insistindo!, esses depósitos que não entram na fila de depósitos já teriam chamado a atenção, né?


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