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Quem inventou CRISPR-Cas9 em células eucarióticas? - Parte 1

E o blog retorna depois de uma breve pausa. Foi por uma boa razão: escrever o Trabalho Final da pós-graduação. E foi um prazer escrever esse trabalho! Modéstia à parte, ficou bem legal. Sabe aquele trabalho que a gente faz com gosto? Então, me apaixonei tanto pelo assunto que, por uns meses, fiquei praticamente monotemática, rs À bem da verdade, essa primeira série de posts será justamente sobre o tema desse trabalho: a disputa em torno da propriedade sobre a tecnologia CRISPR-Cas9 que está sendo reivindicada por dois grupos de pesquisa diferentes. De um lado, Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia - Berkeley, dos Estados Unidos, juntamente com Emmanuelle Charpentier, atualmente no Instituto Max Planck, na Alemanha, mas na época trabalhando na Universidade Umea, na Suécia, que propuseram no meio do ano de 2012 um método para a edição do DNA in vitro em diferentes tipos celulares. Do outro lado, Feng Zhang, do Instituto Broad, um instituto conjunto do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que adaptou a tecnologia para a edição do genoma de células eucarióticas alguns poucos meses depois.


Essa situação complexa no âmbito do Direito Industrial faz total sentido quando as estimativas são de que o mercado global para essa tecnologia movimentará mais de US$ 7,5 bilhões até 2024. Em 2015 foi eleita pela prestigiada revista científica Science o avanço científico do ano. A esta altura, você deve estar se perguntando: mas que tecnologia é essa tal de CRISPR-Cas9? Trata-se de uma técnica que permite a edição direta do DNA de um organismo com precisão, praticamente uma tesoura que permite que os cientistas cortem o DNA, por exemplo, no meio de um gene, desativando-o ou inserindo um outro no lugar. O vídeo abaixo foi publicado recentemente e explica esse "bisturi molecular" por meio de animação. Infelizmente, está apenas em inglês.




Em Português, temos um artigo na revista Scientific American Brasil, escrito pelo Professor da UFRJ e também Diretor de Pesquisa do Instituto D’Or Stevens Rehen, que recentemente, contou essa estória de maneira bem didática, vale a leitura, é só clicar aqui.


Em uma apertada síntese, CRISPR é originalmente um mecanismo que ocorre naturalmente em bactérias e árqueas. As árqueas são seres unicelulares semelhantes às bactérias, mas que são conhecidas por habitarem ambientes extremos como fontes termais. O sistema foi identificado pelo cientista Francisco Mojica, da Universidade de Alicante, na Espanha. Nesses seres vivos, CRISPR age como um sistema imune, protegendo as bactérias e árqueas de ataques contra os fagos, um tipo de vírus, e de plasmídeos. E era exatamente isso que os pesquisadores que trabalhavam com iogurtes na empresa Danisco procuravam: um mecanismo que ajudasse suas bactérias lácteas a sobreviverem a infecções virais. Os iogurtes são fabricados por meio da adição ao leite de bactérias que convertem lactose em ácido lático, contudo, essas bactérias são susceptíveis a infecções virais, o que estraga o iogurte. Assim, eles desafiaram essas bactérias infectando-as propositalmente com um vírus para procurarem em seguida por DNA viral integrado na região de CRISPR e foi exatamente o que eles encontraram comprovando a relação de causa e efeito. A remoção dessas sequências removeu a capacidade de defesa corroborando a hipótese. As primeiras patentes relacionadas a CRISPR foram concedidas, então, para a empresa Danisco, para um método de detectar a presença de uma bactéria Lactobacillus acidophilus em uma amostra (US7919277 B2, 2011 e EP1740974 B1, 2008). Mas a verdadeira revolução só foi acontecer anos mais tarde.


O grupo da Universidade da Califórnia - Berkeley não foi o primeiro a ter a ideia de utilizar esse mecanismo como uma tesoura molecular para editar o genoma. Outros dois cientistas, Marraffini e Sontheimer, na Universidade Northwestern,Chicago, nos Estados Unidos, pensaram nisso antes e até depositaram um pedido de patente junto ao Escritório Americano de Patentes, o USPTO, mas o pedido deles foi negado por falta de suporte descritivo. No dilema entre depositar logo e garantir a novidade ou esperar mais um pouco para ter uma comprovação mais robusta, eles acabaram depositando cedo demais: ainda havia a necessidade de mais dados experimentais. Estes só foram fornecidos alguns anos à frente por Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna.


No próximo post, eu continuo a contar essa estória. E, ah!, assim que eu tiver a permissão da Universidade, eu publico o Trabalho final na íntegra lá na página e aviso aqui pelo blog.

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