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COMO EU LEIO UM DOCUMENTO DE PATENTE - Parte III - Entendendo o Relatório Descritivo

Continuando a série sobre como ler um documento de patente, hoje, falaremos sobre o Relatório Descritivo. Já falamos aqui, sobre a Folha de Rosto, e aqui, sobre as reivindicações.


O Relatório Descritivo é a parte mais longa do documento de patente variando de uma única página a infinitas, rs. Não é tão incomum, ao menos, na Biotecnologia, relatórios com 200 páginas equivalentes a teses de doutorado. E por que tudo isso? Porque o objetivo do relatório é capacitar, ou seja, ensinar, os demais técnicos no assunto a reproduzirem, isto é, copiarem a invenção. Ué, mas pode? Para pesquisar e aprimorar, sim, para produzir, usar, vender, importar, etc, só quando a invenção estiver em domínio público. Leia mais sobre isso aqui.



Como eu não canso de repetir, uma patente é uma barganha entre o Estado e o inventor. O Estado concede ao inventor, o direito de exclusividade sobre a invenção e, em troca, o inventor, revela a invenção. O que deve ser entendido por revelar? Isso significa dizer que o relatório tem que descrever a invenção em detalhes. A ausência de alguma informação que seja considerada importante pode fazer com que o pedido seja negado ou, se concedido, posteriormente declarado nulo.


Cada Escritório de cada país ou região possui suas próprias diretrizes com os detalhes sobre como um relatório deve ser redigido, mas, via de regra, o relatório contém: (i) uma breve descrição do estado da técnica, (ii) o apontamento do problema técnico que se deseja solucionar e (iii) a descrição da solução inventada. Essa última, por sua vez, vem acompanhada de exemplos. Em química e biotecnologia, os exemplos incluem os experimentos de bancada. É bem parecido com a seção de Materiais e Métodos. Para ilustrar, em um pedido de anticorpo humanizado, a parte dos exemplos pode incluir desde a síntese do antígeno e inoculação deste no camundongo, indo até a própria humanização. Normalmente, incluem, ainda, testes de atividade de alguns dos anticorpos obtidos pela metodologia descrita, algo mais próximo do entendimento corriqueiro da palavra exemplo. Mesma coisa para um pedido de planta transgênica, os exemplos podem incluir desde a construção do vetor de DNA até o crescimento das plantas transformadas.


Desenhos, esquemas, fotos, tabelas não são obrigatórios, mas costumam estar presentes porque auxiliam na descrição, sobretudo, dos resultados experimentais. Quando um pedido contém moléculas de ácido nucleico (RNA e DNA) e proteínas, é obrigatório que o pedido descreva as sequências de nucleotídeos e/ou de aminoácidos. Quando for baseado em algum material biológico, por exemplo, uma cepa bacteriana, que não tem como ser descrita em palavras, uma amostra deve ser depositada em um Centro Depositário. Há um acordo internacional, o Tratado de Budapeste, que trata somente desse tipo de depósito. É interessante porque qualquer interessado pode entrar em contato com o Centro Depositário e obter uma amostra.


Na minha opinião, o Relatório Descritivo é a parte mais importante do documento de patente. Isso porque é ele que fundamenta todo o rationale da barganha que justifica moralmente o Sistema de Patentes. Vocês hão de convir que é muito mais fácil criticar e aprimorar algo que já existe do que partir do zero. É assim que o Sistema estimula o desenvolvimento tecnológico e o progresso do bem estar da sociedade.


Eu sempre escuto críticas de pessoas que duvidam que as patentes descrevam de fato os detalhes da invenção. O que dizem os críticos é que o pulo do gato nunca é revelado. Eu discordo, se fosse esse o caso, os concorrentes solicitariam a nulidade justamente na alegação de que tentaram reproduzir a invenção e não conseguiram, o que não vemos acontecer. Lembrando que o examinador lê e compreende os experimentos, mas não tem como reproduzir os experimentos em bancada pois o exame de patente é meramente documental. Mas, os concorrentes não têm essa limitação e podem trazer seus próprios dados experimentais em seus pedidos de nulidade. A omissão do pulo do gato se constitui em uma profunda corrupção da barganha que fundamenta o sistema de patentes. Justamente por isso, o comum é vermos relatórios descritivos bastante completos. E mais do que isso: acessíveis de maneira gratuita pela internet. E melhor ainda, em língua vernácula quando depositados no país. Eu já tratei aqui sobre como buscar esses documentos.


É uma pena ver cientistas que só realizam o levantamento bibliográfico em artigos científicos e livros, desprezando, completamente, as patentes. Os bancos de patentes são fontes bibliográficas importantíssimas!


E como eu estou na vibe CRISPR, rsrs, deixo aqui o link para acessar uma das tão comentadas patentes.


Link para a imagem original: https://www.dicio.com.br/descricao/

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